Diante da renovação constante do mercado imobiliário, as várias etapas do processo de vendas estão cada vez mais ligadas à tecnologia, que tem sido ótima aliada ao cotidiano de negócios.
A inovação pode estar presente nas táticas dos corretores, no uso de catálogos interativos como o Showcase Imóveis e também na inserção de pautas sociais no setor. Mas será que essa reformulação de mercado é simples assim?
Pensando nisso, nossa entrevistada da vez é Elisa Rosenthal. Ela é arquiteta de formação, fundadora do Instituto Mulheres do Imobiliário, colunista da Exame Invest e palestrante de diversos eventos, como o Conecta Imobi. Também é autora do livro ‘As Proprietárias: a ascensão da liderança feminina no setor imobiliário’ e foi a primeira paulista certificada em Liderança Avançada pela Shakti Fellowship em San Diego University. E essa é apenas parte do extenso currículo de Elisa. Portanto, vamos à conversa:
Elisa, o mercado imobiliário tem vários setores - locação, lançamentos, mercado secundário, prédios comerciais, coworking etc. Em quais desses setores você vê mais inovação? E onde ainda há resistência à mudança?
É interessante observar um paradoxo nítido na área de inovação no mercado imobiliário. Por um lado, a inovação que encontramos mais pujante acontece no mercado residencial. Seja em práticas de venda e comercialização de produtos residenciais, digitalização do processo de venda de imóveis, exposição por meio de novas técnicas de imagem, vídeo e uma série de plataformas que buscam melhorar a experiência da jornada de compra do imóvel.
Mas ao mesmo tempo vemos resistência contra mudanças nesse segmento, especialmente por profissionais da corretagem imobiliária, que ainda temem mudanças e tendem a não se digitalizar para usar das melhores ferramentas e potencializar sua forma de trabalho e rentabilidade.
No passado, a venda do imóvel estava muito ligada ao atendimento do corretor. Hoje, com a tecnologia, os clientes ganharam mais poder na jornada. O que as imobiliárias tradicionais deveriam fazer para se manterem relevantes?
A gente vive um momento de mais de seis gerações convivendo juntas e diversas gerações com poder de compra e necessidades diferentes. Ainda há espaço para as imobiliárias tradicionais e para clientes tradicionais. No entanto, a gente vê o mercado extremamente tradicional perdendo espaço para o processo de digitalização e ferramentas de tecnologia.
Envolver tecnologia no processo é cada vez mais urgente para o modelo de negócio prosperar no cenário presente e futuro. Então, as imobiliárias hoje tradicionais e que não adotarem uma ferramenta que envolva tecnologia, análise de dados, análise de como a inteligência de dados pode melhorar e aperfeiçoamento do Customer Experience são possivelmente empresas imobiliárias que vão ficar para trás, porque hoje a gente precisa entender que o lado analítico faz parte do processo da jornada de compra.
O Brasil é um país com muita imprevisibilidade em todos os aspectos. Há crises, instabilidade política e mudança constante de regras. Como fazer um planejamento adequado para o mercado imobiliário, em que é preciso ter planos de médio e longo prazo?
Num cenário de instabilidade política e econômica, e considerando também que o nosso mercado trabalha com ciclos de quatro a cinco anos para cada empreendimento, é preciso entender que os planejamentos de médio e longo prazo são fundamentais para as empresas e para empresários do setor.
As habilidades de flexibilidade e resiliência são elementos essenciais para saber gerir e liderar. Em tempos instáveis, isso significa que o planejamento é fundamental, sim. Porém, mais fundamental que ter um planejamento é saber lidar com as adversidades que acontecem no percurso. E isso envolve ter visão e habilidade socioemocional, ser flexível, resiliente e saber lidar com mudanças ao longo do percurso.
Me fale sobre o "Mulheres no Imobiliário". Como surgiu o projeto?
O Mulheres do Imobiliário nasceu em 2019 de uma necessidade que enxerguei de colocar mais força nas mulheres que atuam em toda a cadeia produtiva do setor. Nasceu como um grupo de 50 mulheres. Depois de três anos nós somos mais de 800 mulheres. O grupo se organizou e hoje é o Instituto Mulheres do Mobiliário, que tem como principal objetivo a equidade de gênero em toda a cadeia produtiva do setor imobiliário. Atende às necessidades da ODS 5 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) e trabalha com três pilares principais: o apoio, o network e a capacitação.
Um dos nossos projetos mais emblemáticos é o Mulheres do Imobiliário Capacita, iniciativa que oferece bolsas de estudo para mulheres que não têm condições de fazerem um curso técnico em Transações Imobiliárias. Por meio das nossas bolsas, elas têm treinamento complementar oferecido por um time de voluntárias. Há orientação de estágio, recolocação de mercado. E o mais importante: um grupo de incentivo para permanência, pois das mulheres que se matriculam pelo programa, 50% saem formadas.
Com a pauta da diversidade racial, 46% das formadas são mulheres pretas e pardas. A gente vai ampliar esse projeto. Nossa ideia é escalar o Capacita para o próximo período.
Além disso, outro projeto importante que nós temos é o nosso Think Tank (laboratório de ideias), o Amazonita Clube. É um clube de mais de 30 mulheres, destaques em várias áreas do setor e ocupantes de cargos de liderança. Esse grupo se propõe a pensar o setor imobiliário pela voz de mulheres especialistas, trazendo diversos posicionamentos e visões de mercado.
O terceiro e último pilar é o de pesquisas. Nossos dados orientam o mercado na pauta da diversidade, do papel da mulher em toda a jornada de compra e decisão de aquisição dos imóveis.
Como você analisa os resultados já alcançados pelo Instituto Mulheres do Imobiliário?
O principal resultado alcançado pelo Mulheres do Imobiliário é a própria formação do instituto, que já está há três anos liderando o setor. A curadoria é importante para a realização de eventos que abordem pautas urgentes para o nosso setor, como o racismo imobiliário, a própria pauta do empreendedorismo feminino e outros temas que levamos para o palco.
As pesquisas do Instituto já são orientadoras de mercado. O resultado é tangível quando percebemos empresas com ações voltadas exclusivamente para as mulheres e criando núcleos femininos em outras iniciativas do setor. Como nós somos pioneiras nesse modelo de trabalho, tudo o que veio depois é fruto também desses resultados alcançados.
Falamos muito sobre as mudanças no mercado imobiliário, mas também precisamos analisar o impacto do setor na sociedade. O Brasil tem um imenso déficit habitacional. O mercado imobiliário pode ajudar a resolver esse problema? Ou isso é tarefa só do Governo?
Reduzir o déficit habitacional é papel, sem dúvida nenhuma, do Governo e do mercado imobiliário. As empresas hoje, que são focadas na construção da Casa Verde e Amarela, são empresas que contribuem nesse sentido. É evidente que ainda há uma dependência do setor em relação aos planos econômicos que orientam essa iniciativa. E essa é uma visão que o mercado precisa ter junto ao poder público para melhor trabalhar.
As políticas econômicas de interesse de habitações populares, sociais e de programas como o Casa Verde e Amarela, por exemplo, são iniciativas do mercado imobiliário e contribuem, sem dúvida alguma, para a diminuição do déficit habitacional. E não é somente isso, mas também melhores condições de moradia para as populações mais vulneráveis. Isso significa construção de moradias de interesse social e organização popular perto de centros urbanos, transporte público e outros núcleos com maior oferta de trabalho.
Então, toda essa orientação da cidade para a melhor maneira de habitar também é papel fundamental do mercado imobiliário. E até mesmo em função do cenário político tão polarizado que vivemos hoje no Brasil, é ainda mais importante que o mercado imobiliário tenha uma visão de união e foco em trazer melhores condições para a sociedade.
Em seu podcast e nos eventos, você conversa com mulheres de diversos mercados - muitas delas com sucesso em suas carreiras. Quais as histórias que mais te surpreenderam? Quais são referências por seu sucesso, superação ou inovação?
Meu podcast tem mais de 150 entrevistas realizadas. Falei com mulheres que são lideranças em vários setores e frequento núcleos femininos de muitos segmentos. É difícil citar nomes com tantas histórias inspiradoras e que por vezes me emocionam.
Eu tenho as minhas referências, aquelas mulheres que eu tenho como minhas inspiradoras. Uma grande líder com quem tive uma conversa absolutamente inspiradora foi a Cristina Palmaka. Na época, ela era presidente da SAP Brasil, hoje ela é Latam e continua a ser uma mulher que me inspira muito pela forma como ela lidera.
Outra mulher que para mim foi uma conversa muito surpreendente é a doutora Carla Sarni, fundadora da rede Sorridents. Ela tem uma história brilhante de empreendedorismo, de criação de franquia e querer levar qualidade de produto e atendimento para um público mais vulnerável.
Outra conversa foi com uma mulher que eu sigo e admiro muito o trabalho que ela tem feito. É a Cris Guterres, uma empreendedora que hoje tem um lugar de destaque no UOL e na TV Cultura. Ela tem uma trajetória de muita conquista, com base no seu trabalho e na sua perseverança. Então é uma mulher muito inspiradora.
A conversa que, para mim, foi realmente um divisor de águas no meu podcast foi com Laerte, a cartunista Laerte, que é uma mulher trans. Essa conversa foi muito, muito importante na construção da proposta do meu podcast, que aborda os vieses femininos.
Por que a presença feminina ainda é uma exceção nos cargos de diretoria e presidência? O que falta para outras mulheres conquistarem espaço no mercado?
O mercado tem bases e referências ainda muito masculinas. Uma frase que eu uso muito é “Você não pode ser o que você não pode ver”. Então, com uma representatividade feminina tão baixa em cargos de direção e presidência, há uma dificuldade muito grande para mulheres atingirem tais espaços. Isso tem mudado por meio de ações de movimentos, inclusive.
O Instituto Mulheres do Imobiliário assinou um compromisso com o 30%Club, uma iniciativa global para que os conselhos das empresas listadas na bolsa tenham, no mínimo, 30% de representatividade feminina. E o que falta para as mulheres conquistarem mais esse mercado? Ações direcionadas, ações afirmativas e orientações.
Os dois principais obstáculos da carreira feminina são o “degrau quebrado”, que é atingir cargos de gerência, e o “telhado de vidro”, que é atingir os cargos de direção. Para superar isso, é fundamental entender que a pauta da maternidade é um assunto que precisa ser incorporado pelas empresas para que essas mulheres não saiam do mercado de trabalho após terem filhos e que exista um trabalho de mentoria, de investimento em capacitação para formação de novas lideranças. E isso é um papel também das empresas, das lideranças e de movimentos e iniciativas como, por exemplo, o Mulheres do Imobiliário.
Falamos muito sobre a equidade de gênero. Mas e os outros aspectos da inclusão, como LGBTQIAP+, pessoas com deficiência e racismo? O mercado imobiliário está preparado para falar sobre esses temas?
De fato, o Mulheres do Imobiliário nasceu com a proposta de abordar a pauta da diversidade, um guarda-chuva amplo que inclui muitas verticais. Uma delas é a equidade de gênero. Mas a gente sempre traz nos nossos debates a importância de debater junto com equidade de gênero, a pauta da inclusão LGBTQIAP+, das pessoas com deficiência e do racismo.
A minha base de formação é a liderança Shakti, que propõe o equilíbrio do poder feminino e masculino nos negócios. Isso envolve também homens que tenham a visão de uma liderança mais feminina, ou seja, lideranças mais inclusivas. E aí a minha visão sobre o tema é que, uma vez que a gente passa essa barreira de tornar um ambiente imobiliário com mais equidade de gênero, consequentemente a gente vai trabalhar junto às diversidades de uma forma mais ampla, porque a liderança mais feminina é, por natureza, mais inclusiva e empática. A solução passa não apenas na inclusão de mulheres em cargos de direção, mas também em trazer para os homens um modelo de liderança que seja mais feminino, no sentido de abordar as habilidades que são mais presentes na forma de liderar das mulheres, como empatia, criatividade e harmonia.
Você fala muito sobre liderança. Quais os principais problemas que um líder enfrenta no mercado imobiliário?
O maior problema no âmbito da liderança é encontrar pessoas que tenham um propósito coerente e que, de fato, vão impactar a sociedade e os consumidores por meio do mercado imobiliário.
O setor ainda é muito orientado na relação de dar lucro para os acionistas e para os próprios empresários. Pouco orientado, por exemplo, para impacto social, ambiental e para impacto também do ponto de vista da governança, que são relações transparentes e equilibradas. Então, na minha visão, o mercado imobiliário hoje vive uma crise de identidade, de saber e entender o propósito do que eles estão fazendo e para quem estão fazendo. Ainda é um mercado muito pautado em ego e numa lógica de lucratividade acima de qualquer custo e pouco orientada para impactos de mudança social.
Pensar em melhorias para quem realmente vai habitar ou consumir esses produtos imobiliários é a grande dificuldade na área de construção e vendas. Esse aprimoramento se dá por dois pontos. O primeiro é encontrar inovação nos métodos construtivos e nas vendas, que ainda são muito artesanais na grande parte do país. É preciso também capacitar de fato os profissionais de vendas, para que estejam mais preparados para a digitalização de todo o processo do mercado.
Saiba mais
Para conhecer mais sobre o trabalho de Elisa Rosenthal contate-a pelo site elisarosenthal.com.br e por suas redes sociais (Linkedin, Twitter e Instagram). Recomendamos também seguir seu podcast Vieses Femininos nas principais plataformas de áudio.
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